O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB) encaminharam petição ao Núcleo de Solução Consensual de Conflitos (NUSOL) do Supremo Tribunal Federal (STF) apresentando questionamentos e pedidos referentes ao acordo da Repactuação Rio Doce que chegou ao tribunal e aguarda homologação.
A petição questiona pontos relativos à necessária observância da Política Nacional de Atingidos por Barragens (PNAB) e da Política Estadual de Atingidos por Barragens do Estado de Minas Gerais (PEAB) e da Convenção nº 169 da OIT. Também pontua sobre a situação das trabalhadoras e trabalhadores em condição de informalidade e do não reconhecimento de territórios do Espírito Santo e Sul da Bahia. Por fim, pede a exclusão das cláusulas de quitação referentes ao Programa Indenizatório Definitivo (PID).
A Repactuação Rio Doce envolve um conjunto de ações que totalizam cerca de R$130 bilhões de recursos novos para a reparação dos danos individuais e coletivos que ocorrem desde de 5 de novembro de 2015 e que serão da responsabilidade dos governos e das mineradoras até 2045.
O documento que tem mais de 1.300 páginas chegou ao conhecimento dos atingidos apenas no dia da assinatura, em Brasília, 25 de setembro. A partir de uma leitura atenta pode-se afirmar, que “mais de 1 milhão e meio de pessoas atingidas pelo rompimento da barragem não participaram do Acordo. Embora tenham insistentemente reivindicado assento na mesa de negociação da repactuação, o direito de participação não lhes foi concedido”, afirma o MAB em petição.
O documento traz os artigos da PNAB e da PEAB/MG que foram violados no processo e pede que o direito de participação e negociação previstos no art. 3º, IV, da PNAB e no art. 3º, III e IV da PEAB sejam respeitados no presente procedimento perante o NUSOL que, visto sua experiência, poderia promover a devida inclusão e trazer efetividade ao direito legalmente assegurado aos indivíduos de participarem do procedimento reparatório. Além disso, pede que, quando homologada a repactuação, seja determinada a instituição do Comitê Local para acompanhamento de sua implementação, nos termos do art. 3º, §1º, art. 5º, parágrafo único e art. 7º da PNAB.
Outro ponto de questionamento é a forma de reconhecimento dos indígenas, povos e comunidades tradicionais. Apesar do avanço que é garantir este fundo de reparação histórica, o fato de atender apenas comunidades reconhecidas pelo Comitê Interfederativo (CIF/IBAMA) deixa muitas comunidades sem acesso ao direito, inclusive aquelas reconhecidas pela Fundação Palmares.
“Sabemos que a Fundação Renova dificultou bastante o acesso aos programas de comunidades tradicionais em toda a Bacia. Somente na região do médio Rio Doce são 33 comunidades atendidas pelas assessorias técnicas, a imensa maioria não estão contempladas no Acordo”, questiona Thiago Alves, integrante da coordenação do MAB.
Para o MAB, a omissão do Estado brasileiro é flagrante. “A Convenção da OIT estabelece que o autorreconhecimento enquanto comunidade tradicional deve ser o critério para determinar os grupos aos quais se aplica a lei. Neste caso, tanto as comunidades tradicionais reconhecidas pelo Estado, quanto as comunidades autorreconhecidas situadas nos territórios atingidos devem ser abrangidas pela repactuação. É isto que estamos exigindo na petição”, completa Thiago.
Contra as cláusulas abusivas e discriminações no Programa de Indenização Definitiva (PID)
A petição enviada ao STF também questiona vários pontos do novo processo de indenização individual que oferece os valores de R$35 mil e R$ 95 mil com quitação final de danos presentes e futuros. MAB e ANAB denunciam que a exigência de Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) ou Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP) e Registro Geral de Pesca (RPG) para solicitar a indenização específica no valor de R$95.000,00 dá tratamento desigual a pessoas que desempenham as mesmas atividades, apenas por algumas delas não possuírem os documentos exigidos pelas mineradoras.
“O tratamento que será dado é um retrocesso ao que era praticado pela Fundação Renova, visto que esta já havia estabelecido fluxo de atendimento e indenização dos pescadores mesmo quando não fosse possível a apresentação do RPG. Na petição, cobramos que seja determinada a emenda das cláusulas 56 a 65 do Anexo 2 do Acordo, para estender o programa aos agricultores familiares e aos pescadores artesanais informais. Isto é muito importante para evitar injustiças e a exclusão de muita gente”, afirma Letícia Faria, integrante da coordenação nacional do MAB.
Outro tema fundamental é a quitação final. Para o movimento, no que diz respeito ao Programa Indenizatório Definitivo (PID), não pode ser homologada a cláusula de quitação ampla e irrestrita prevista no Acordo porque o Programa Indenizatório Definitivo (PID), tal qual previsto na Repactuação, viola a PNAB sob mais de um aspecto. “Como está na petição, é absolutamente inaceitável que um programa de indenização desenhado sem participação dos atingidos tenha quitação ampla e irrestrita. Artigos da PNAB e PEAB foram ignorados, além de obrigar o atingido a abrir mão de buscar justiça por outros meios”, enfatiza Thiago Alves.
Ao fim do documento, a petição reafirma os pedidos:
- a) previamente à homologação, seja o direito de participação e negociação previsto no art. 3º, IV, da PNAB e no art. 3º, III e IV da PEAB respeitado no presente procedimento perante o NUSOL;
- b) quando oportunamente homologada a repactuação, seja determinada a instituição do Comitê Local para acompanhamento de sua implementação, nos termos do art. 3º, §1º, art. 5º, parágrafo único e art. 7º da PNAB;
c) em atenção ao disposto na Convenção n° 169 da OIT, sejam contempladas na repactuação todas as comunidades certificadas pela Fundação Palmares nos territórios atingidos, assim como as demais comunidades tradicionais autoreconhecidas; - d) seja determinada a emenda das cláusulas 56 a 65 do Anexo 2 do Acordo, para estender o programa de indenização aos agricultores familiares e aos pescadores artesanais;
- e) seja determinada a revisão dos critérios de reconhecimento da condição das comunidades pesqueiras localizadas no litoral do Estado do Espírito Santo, a fim de garantir a reparação justa integral e o tratamento isonômico a todos os pescadores atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão;
- f) seja determinada a emenda do Acordo para que sejam criados mecanismos que possibilitem aos municípios do sul da Bahia – Nova Viçosa, Caravelas, Alcobaça e Prado – e às respectivas comunidades pesqueiras participação nos programas reparatórios e indenizatórios;
- g) seja determinada a instituição de mecanismos de fiscalização e controle das decisões de indeferimento de pedidos de indenização individuais;
- h) não sejam homologados os itens 3 (Quitação) e 4 (Renúncia de Pretensões e Ações Judiciais) do Apêndice 2.10 do Anexo 2 do Acordo.
“Este documento é uma das ferramentas de continuidade da luta nesta nova fase da história da reparação dos danos na Bacia do Rio Doce. Não vamos desistir da luta. Ao mesmo tempo, estaremos reunidos em Mariana para mais um dia de mobilização de rua para fazer memória e continuar o fortalecimento da organização popular para compreender o acordo, se apropriar e lutar pela efetivação dos avanços e a superação dos limites e problemas”, diz Thiago Alves.
A Jornada de Lutas do MAB nestes 9 anos do rompimento da barragem de Fundão tem como lema “Lutar e organizar para os direitos conquistar” com uma agenda de intervenções que começa em Bento Rodrigues às 9h da manhã. No mesmo horário, vai acontecer na Arena Mariana uma plenária com mais de 500 atingidos de MG, ES e sul da Bahia para discutir a Repactuação. Às 14h30 o movimento fará uma marcha na cidade encerrando na Praça Minas Gerais.
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