A vida da Dama se entrelaça com a história do município de Colatina
Por Nilo Tardin – DDC News
Colatina em Ação – 20 de outubro de 2023
De mala em punho a blusa preta de mangas estufadas encobria a mão enrugada pelo tempo, quando uma repentina lufada de vento frio varreu o pátio da Estação da Leopoldina, no centro do Rio de Janeiro, a então esplendorosa capital do Brasil.
Rapidamente o medo tomou conta do seu corpo. O sol se escondeu entre ralas nuvens negras. O outono de 1945 estava prestes a fechar as cortinas de sua intrépida trajetória.
A súbita friagem fez dona Collatina estremecer.
Era uma mulher de fé. Católica, carregava consigo o terço e um cordão com medalha de ouro da Virgem Maria.
Ajeitou a barra da saia frisada de tecido encorpado entre o cinza e o preto. O casaco longo de fio grosso no braço esquerdo completava a elegância da vestimenta. O traje sóbrio realçado por ombreiras seguia a última moda da alta-costura parisiense. Distinta, ela pertencia a fina flor da sociedade carioca.
Os passos elegantes de dona Collatina Soares de Azevedo Muniz Freire se entrelaçam com a história do município de Colatina, noroeste do Espírito Santo.
Em 1893, o engenheiro Gabriel Emilio de Souza denomina Collatina o torrão destinado aos imigrantes europeus do Núcleo Antônio Prado. Seria uma singela homenagem a esposa do presidente da Estado, o advogado, jornalista e político José de Melo Carvalho Muniz Freire.
Em 9 de dezembro de 1899 o Barracão de Santa Maria surgido de um Porto do Rio Doce foi elevada à categoria Villa de Collatina, então pertencente ao município de Linhares.
O crescimento verificado em um século é vertiginoso. O comércio e serviço, responde por 48,2% do PIB de R$3,9 bilhões. Além do robusto Produto Interno Bruto, Colatina figura entre as 300 maiores dos 5.568 municípios brasileiros.
Dona Collatina nasceu em 24 de novembro de 1864, na Alameda dos Bambus, atual vasta Avenida Rio Branco, no Santa Ifigênia coração de São Paulo (SP). Marcante na cultura capixaba é patrona da Cátedra 26 na Academia Feminina Espírito-Santense de Letras.
No período áureo da ocupação do território, Collatina entrava na casa dos 63 anos de idade. Acompanhou de longe a nascente navegação do Rio Doce. Em 1927 o navio a vapor Juparanã singrou o Nilo Brasiliense até 1954. Já no emblemático ano de 1928 a construção da Ponte Florentino Avidos abriu caminho para a ocupação das terras ao Norte do Rio Doce. O surto desenvolvimentista passou o rodo de vez na questão ambiental.
Mas é só dar corda que mais fatos pulam do alçapão da história. Em 1800, o colonizador já ocupava o território onde iria florescer a civilização colatinense. Neste ano foi estabelecido o Quartel de Anadia. No começo a guarnição tinha 15 homens.
Chegou a 33 militares destacados para controlar o contrabando de ouro, na proteção dos aventureiros e celeiro de provisões. Uma povoação se formou no entorno. O forte defendeu o território durante 40 anos, até ser destruído pelo ataque dos botocudos. O crédito da pesquisa é do médico e historiador José Luiz Pizzol.
A primeira tentativa particular de colonização ocorreu em 1857 pelas mãos do engenheiro Nicolau Rodrigues França Leite. Na passagem do navio de casco de ferro e duas velas mestras com 49 colonos a bordo, os navegantes notaram as ruínas do Quartel de Anadia, algumas bananeiras e fruteiras. Ficava na altura de onde é hoje o bairro Maria Ortiz.
A sessão solene na Câmara Imperial que criou a província onde hoje fica o território colatinense, foi realizada na secular residência jesuítica anexa a Igreja dos Reis Magos, em Nova Almeida (ES). Na ocasião, à luz de castiçais deu-se posse a primeira Câmara dos Vereadores de Linhares a 22 de agosto de 1833, atesta o colatinense Fernando Achiamé – mestre em história.
Aos 81 anos, Collatina vivenciara as diversas mudanças dos séculos 19 e 20, marcados por revoluções, descobertas e inovações tecnológicas.
Lá estava ela sentada no banco de madeira e florões de ferro. Suportou a escassez de um mundo em guerras. A primeira entre 1914 e 1918. A Segunda Guerra Mundial ceifou 40 milhões de vidas de 1939 a 1945.
Horas antes de sair para estação, sorridente estendeu a mesa com a toalha de linho branco e renda de bilro. Solerte, Collatina fechara o portão do confortável casarão na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, 1285, centro do Rio de Janeiro, disposta a encarar uma cansativa viagem de trem para rever familiares na mansão da capital paulista onde nascera.
Agora no rústico banco de espera, a súbita frialdade incitou uma assustadora premonição que não soube explicar. Na ponta de dois dedos acertou os três botões forrados da bulsa, a combinar com os confortáveis sapatos de couro legítimo.
Enquanto isso, a longínqua cidade de Colatina explodia em crescimento. Ocupava um extenso território de mais ou menos 6.000 km², a maior do Estado até 1935.
Sucessivamente a imensa área foi retalhada. Em 1935 ocorreu a primeira da 11 emancipações com a criação do município de Baixo Guandu. Atualmente, o município abrange 1.398 km².
Collatina pensou alto: de como as paralelas dos trilhos da estrada de ferro cruzaram em momentos bem-aventurados de sua existência.
Uma delas, a viagem dos sonhos puxado pela locomotiva a vapor logo que se casou aos 18 anos, com o amado José Muniz Freire. No mesmo instante, num lampejo relembrou que em fevereiro de 1911 esteve na cidade que ganhou seu nome de batismo.
– Collatina veio em comitiva inspecionar a ferrovia Vitória a Diamantina em companhia do senador e as três filhas Izilda, Dora e Ilma, informa o eminente biógrafo de Muniz Freire, o doutor em história Estilaque Ferreira dos Santos. Estilaque é professor aposentado da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Encontrou inéditos registros noticiosos tanto dessa passagem da dama pelo município como o fim da jornada em 1945.
Mestre Estilaque escreveu no Livro da Série Grandes Nomes – Muniz Freire de 566 páginas, fatos e o contexto do período em que o casal viveu.
Na sequência, Estilaque anota que casal Muniz Freire viveria uma paixão avassaladora que durou o resto da vida. O senador faleceu aos 57 anos em 3 de março de 1918, no Rio de Janeiro. Collatina seguiu em frente sozinha na criação e educação dos filhos e condução dos negócios familiares.
– José morava numa república. Era acadêmico brilhante de Direito quando conheceu Collatina. Concluiu o bacharelado em São Paulo, casou-se com ela e se mandou para Vitória (ES).
Conhecida por ser uma jovem de inteligência afiada, dominava os idiomas italiano, francês e alemão, além de tocar instrumentos e cantava maviosamente. Adepto da corrente filosófica Positivista, Muniz Freire idolatrava a esposa.
“Era um cara super gente boa. Um gentleman. Dono de personalidade cativante, perspicaz conquistava que vivia perto dele. Muniz Freire foi governador do Espírito Santo por dois mandatos (1892 a 1896) (1900 a 1904), vereador, deputado provincial, deputado federal e senador (1905 a 1914).
– É com esse que eu vou. Collatina não titubeou. Recém-casada, pegou a malinha deu o braço ao marido e se mandou de trem para Vitória (ES). A pesquisa de Estilaque revela que todos os anos viajava a passeio para São Paulo – muitas vezes de navio a vapor.
“As viagens eram terríveis, extenuantes e desconfortáveis. Muniz Freire e os filhos sempre a acompanhavam. A abertura do Expresso Rio a São Paulo foi uma revolução nos transportes”, frisou.
A intrínseca relação dela com a ferrovia faz jus a Estilaque adotar para Collatina o epiteto de Senhora de Ferro.
O dia do casamento foi inesquecível. A cerimônia foi realizada no dia 24 de janeiro de 1882 e abençoada pela família e o clero paulista. Casou no jardim da casa dos pais Sebastião Rodrigues de Azevedo e Collatina Soares de Azevedo. A solenidade foi celebrada no oratório particular da família.
Dona Collatina, ganhou o mesmo nome da mãe. O casal teve 10 filhos. Seis homens: Ragadásio, José de Melo Filho, Genserico, Alarico, Átila e Manoel. Quatro mulheres: Dora, Izilda, Olga e Ilma.
Os descendentes do casal Collatina e Muniz Freire, filhos netos e bisnetos puderam conferir na Máquina do Tempo passagens significativas que marcaram os 102 anos completos do município a 22 de agosto de 2023.
Na distante Princesa do Norte, no final dos anos de 1960 nascia um fabuloso movimento musical. A cultura exalava os ares da revolta juvenil da época.
As três edições do Festival da Canção Estudantil de Colatina, marcou uma geração de sonhadores, músicos e poetas, nos anos de 1970. Dez Escolas de Samba foram criadas nos morros e no asfalto colatinense.
O que apraz vestir a Princesa do Norte de Rainha do Samba.
O polo de moda e confecções ganhou o mundo. A fabricação de jeans brilha entre os quatro maiores produtores do Brasil.
Aos 42 anos recebeu eufórica a notícia da chegada da estrada de ferro no centro de Collatina, em 1906.
Na Estação da Leolpoldina estremeceu de repente. Meu Deus que é isso”, disse Collatina Muniz Freire. Assustada, apertou entre os dedos as contas do terço. Balbuciou às pressas a parte diária do Rosário de Fátima:
“Meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu, especialmente as mais necessitadas”.
Viúva na altura dos seus 57 anos, leu no diário carioca que 31 de dezembro de 1921, o município capixaba com seu nome conquistou a liberdade administrativa.
O vilarejo tinha 141 casas sujeitas a imposto predial. Em 1928, subiu para 387 imóveis de alvenaria. Em 2023, o cadastro imobiliário colatinense aponta a existência de mais ou menos 50 mil imóveis.
Ao embarcar no trem, e ocupar o assento fê-la abrir a frasqueira, os pensamentos de Collatina jorraram na mente como um arriscado jogo no tabuleiro de damas.
A cada estação entre Rio e São Paulo, o avanço das pedras de damas apressava o final do jogo.
Na ponta de dois dedos acertou os três botões da blusa a combinar com os confortáveis sapatos marrons de couro de couro legítmo. O destino era São Paulo, a capital do estado. A previsão que a viagem no trem expresso entre Rio e São Paulo tivesse a duração de 15 horas.
Assim que a composição chegou na Estação do Norte no dia 24 de março de 1945 – centro de São Paulo -, só deu tempo de Collatina descer a escadinha do vagão.
Ao colocar os pés na plataforma sofreu uma morte inusitada. Foi fulminada por um ataque do coração, conforme pesquisa de Estilaque Ferreira em jornais da época.
O Livro de Óbito do Cemitério São João Batista também anota que Collatina sofreu um colapso na Estação do Norte, em São Paulo. O corpo foi translado para o Rio de Janeiro e sepultado no dia 26 de março de 1945, no Cemitério São João Batista no jazigo 3774 Aléa 10.
Sua Certidão de Batismo e o Processo Matrimonial são verdadeiras peças de artes escrevinhadas a bico de pena. No norte capixaba, o acanhado vilarejo de Collatina Velha nascida a partir do antigo porto fluvial ia se transfigurando a ponto de espigões arranhar o céu na década de 80.
O município desenvolveu sobre os signos da madeira e do café, da navegação do Rio Doce e da Estrada de Ferro.
Nos anos de 1950 – Colatina foi o maior produtor de café do mundo. Possuia 100.437 habitantes o maior e mais populoso do Estado. Havia 1.572 estabelecimentos comerciais e 22 atacadistas, dados do IBGE.
Exuberante se transformou na Princesa do Norte, a encantadora Cidade Jardim dos capixabas.
Recorte de Jornal
Jornal do Comércio – Rio de Janeiro – Obituário. Nota de Pesar.
1945 – Faleceu ontem (24/3) inesperadamente a Sra. Collatina de Azevedo Muniz Freire viúva do saudoso senador Muniz Freire, que em várias legislaturas representou na Câmara Alta o Estado do Espírito Santo.
O falecimento da venerada senhora ocorreu de repente, na gare da Central do Brasil em São Paulo. D. Collatina de Azevedo Muniz Freire partira no rápido com destino a capital paulista em visita aos seus filhos ali residentes. Ao desembarcar na Estação do Norte foi fulminada por um colapso cardíaco.
A notícia logo transmitida para essa capital (Rio de Janeiro) causou vivo pesar, pois a distinta senhora era aqui muito estimada, no vasto círculo de relações que mantinha.
Dona Collatina de Azevedo Muniz Freire era mãe de Ragadásio – médico, Genserico, engenheiro, Alaríco, Dr. Manoel Maria – médico em São Paulo. Era sogra de José Solano Carneiro da Cunho e Agostinho Rodrigues Torres.
O corpo da extinta virá para essa capital onde será sepultado , amanhã 26 de março de 1945, no Cemitério São João Batista.
Registro do Jornal do Comércio – 25 de março de 1945v Página 1-7 Edição -00147.
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