Colatina em Ação – 21 de julho de 2022
Quem passa pela Avenida Pedro Vitali, no bairro Tropical, conhecido por muitos como Fazenda Vitali, não deixa de despertar a atenção para as quatro árvores enfeitadas que ficam do lado direito da via e ao lado da casa nº 144, que faz esquina com uma rua de chão de terra. Não são árvores de Natal, mas são puro orgulho de um morador que nasceu ali na Fazenda, em 1928, no dia de Natal. O autor da “obra de arte”, é do caminhoneiro aposentado Natalino Torezani, mais conhecido como Nico.
“Todos que passam por aqui ou frequentam o bar do meu filho, o Bar do Tadeu, se encantam com elas. Eu também me encanto. Plantei essas três castanheiras bravas há uns 15 anos, quando ganhei as mudas da Prefeitura. Tem uma oiti também. Plantei com distância de três metros uma da outra, e elas viraram estas maravilhas cheias de sombra. Não tenho ideia de quando eu e meus netos começamos a pendurar esse monte de coisas nelas”, explica.
Compõem a “obra de arte” do morador dezenas de latinhas de cerveja e refrigerante, uma bicicleta e um velocípede, placas e calotas de carros, CD, casinha de passarinho, ferro de passar, ferramentas, entre plantas e inúmeros outros materiais. Em frente da casa, ele também tem uma parreira de uvas e muitos pés de manjericão – uma erva aromática muito utilizada na culinária.
Chão de terra
A rua de chão de terra onde elas estão plantadas tem o nome do filho de Nico, Marco Antônio, que morreu em 1974 com 14 anos, vítima de meningite. Segundo Nico, foi dona Noêmia Vitali, a segunda esposa do então dono da fazenda, Pedro Vitali, que doou a área para ser feita uma praça, “mas acabou virando uma rua, que até já quiseram calçar, mas os moradores gostam dela assim como está e não concordam com a pavimentação, porque é um lugar que as crianças gostam de brincar, tem sombra, é tranquilo, e está sempre limpinho, porque eu varro todos os dias bem cedinho. Os moradores até queriam fechar a rua”.
Para Nico, esse pedacinho de terra tem uma grande importância, pois remete à sua infância e praticamente a tudo que viveu ali na fazenda do agricultor e comerciante italiano Pedro Vitali, que chegou da Itália com 14 anos, por volta de 1895, e formou família. Há alguns símbolos remanescentes da época. Um deles é a casa da família, situada na parte alta e construída a partir de 1948, no lugar da primeira construída na fazenda. E também a igrejinha de São Pedro, de 1938 (imagem trazida da Itália), na qual ainda são realizadas missas e casamentos, e a escolinha construída por Pedro em 1913.
“Para mim aqui ainda é a fazenda que eu nasci, o chão de terra que eu piso até hoje, meu chão, mesmo com tudo tão mudado. É o meu berço, o lugar que eu brinquei quando menino, vivi com meus pais e meus irmãos, e vivo até hoje com a minha família. Aqui ainda moram alguns filhos do seu Pedro, e todos lembram de suas vidas felizes neste lugar”, lembra Nico, o único filho vivo dos 10 filhos do casal José Torezani, o “Bepinho”, e Maria Tinelli.
Os pais de Nico faziam parte do grupo de oito meeiros da fazenda. Ele conta que cada um tinha seus próprios animais e não misturava nada, porque a área era muito grande. Que se colhia café, milho, tudo que podia plantar, porque dava de tudo para os moradores comerem. Até os remédios, os chás, eram plantados, e só querosene, trigo, sal e roupa eram comprados. O resto era tudo da fazenda. As roupas dos homens eram feitas pelos alfaiates, entre eles, Nico cita Álvaro Guerra, Otto Aurich, Pulcheri, Tininho, Alcebíades Caliari e Deolindo Antolini. “Naquele tempo se usava muito os ternos de linho, as roupas feitas com um tecido chamado Casemira Aurora”, relembra.
Escola e lembranças
As lembranças de Nico são muitas. A passagem da estrada de ferro pela fazenda, com os trens passando por duas pontes que ainda existem. As duas lagoas que viraram aterro para dar lugar ao Colégio Marista. A construção da Primeira Estação de Tratamento de Água, cuja área foi doada pelo dono da fazenda. “Eu estudei nesta escolinha da fazenda, que ainda existe aqui do lado da minha casa, e que precisa ser restaurada. Os professores vinham de Boapaba, de cavalo, para dar aula aqui. Todos os Dalla-Bernardina, os Vitali, meus irmãos e muitos amigos estudaram aqui. A nossa igrejinha foi feita pelo Sílvio Bandeira e o Ludovico Dalla-Bernardina, um dos construtores da Catedral do Sagrado Coração de Jesus”.
A primeira geladeira que Nico conheceu na vida foi a que ele viu na casa dos Vitali, e era a gás; o engomador (ferro de passar) era esquentado com carvão. A primeira bicicleta que ele conheceu era da marca italiana Bianchi, e era toda de ferro, muito pesada. “Era uma época que poucos tinham condições de comprar as coisas caras. A gente era pobre e não tinha nada disso. Andava só a cavalo, porque tinha muitos cavalos e outras criações na fazenda”.
O colatinense se recorda dos inúmeros moradores que ele conviveu ali, entre eles, todos da família Vitali, e também Valéria e Orlando Marim, Alice e Francisco Souza, Gecy Luppi, Melânia, Silvino Folador, Maria José e João Baiano, José Manéia, Alzira e Eugênio, Deolinda e Luís Valbuza e Jadir Balista.
Diversão
Nico conta que os carrinhos que os meninos brincavam, quando crianças, eram feitos de lata. As brincadeiras eram as bolinhas de gude, bilboquê e caçar passarinhos com seta. A bola para jogar futebol era feita de meia, porque não existia de outros materiais, como hoje. Brincar na chuva e pegar a água com folha de bananeira eram momentos especiais e preferidos. Na juventude, a diversão era nos bailes com concertina, com os tocadores mais conhecidos da época como Chico Lorde e Atílio Dalmônico e o filho Gelson. Não tinha luz como hoje e os pobres usavam lamparina, e os bailes eram com lamparinas também. Disse que só os ricos é que usavam lampiões.
A Festa de São Pedro, realizada no dia do santo, 29 de junho, está na memória do morador. “Seu Pedro era animado. Ele levantava às 4 horas para soltar foguete, que na verdade era bomba de dinamite, porque não existia foguete como hoje. A festa foi realizada por mais de 50 anos. As últimas foram feitas na década de 90 pelo Zezito, um dos filhos do seu Pedro. Eram três dias de tourada, pau de sebo, pescaria, rifas, forró, e muitas brincadeiras que atraíam milhares de pessoas.
O Rio Santa Maria também é fonte de boas lembranças e diversão. “Ele era muito largo e passava onde é o Posto São Miguel no centro da cidade, e descia para o rio Doce próximo ao Morro das Cabritas. Parte dele é a rua Castro Alves, aqui perto do estádio. Todos lavavam roupas nele, a gente brincava e tomava banho. Tinha muitos banquinhos na beira. Tudo era o rio. A gente vivia em torno do rio. Vivia cheio de gente. A água era nossa água mineral. Era muito gostoso. A gente também pescava porque tinha muito peixe. Tinha cascudo, lagosta, camarão, traíra. Uma delícia”.
Casamento
Depois de trabalhar muito na roça, em 1952 Nico resolveu tirar carteira de motorista, e foi trabalhar como trocador de ônibus. Em seguida foi trabalhar como “chofer” de ônibus, como ele diz, fazendo viagens de Colatina a Santa Teresa. Em 1953, passou a ser caminhoneiro, onde trabalhou por décadas, principalmente para os irmãos Gobbi (Dionísio e Osvaldo). Inclusive comprou seu caminhão com eles, e aí passou a trabalhar por conta própria.
O casamento aconteceu em 1959, com Iara Santana Cabral, de Acioli. A princípio foi morar onde é hoje o bairro Vila Lenira, perto de uma irmã, para onde os pais se mudaram também, onde moravam as famílias Coutinho, Foletto, Batista, Chieppe, Benedito e Sabaini. Em 1974, voltou a morar na fazenda, onde tinha comprado o lote e construiu sua casa. Os quatro filhos nasceram em Vila Lenira. Tem dois filhos vivos e sete netos. O filho Paulo mora numa rua por perto, e a filha Aparecida, mora em Vitória. O filho Tadeu morreu recentemente, mas sua família mora no mesmo prédio que Nico, e mantém o Bar dele aberto ainda, que é muito conhecido por aqui, pois existe há 40 anos.
“Graças a Deus mantenho uma vida tranquila, e ainda tenho saúde para desfrutar deste meu lugar, o mais querido da minha vida, apesar de ter feito algumas e tratamentos. Viajei por todo o Brasil, mas ficava louco para voltar para casa. Em cada cidade que eu passava, avisava para a família que estava chegando. Tenho muitos amigos aqui e nunca quis sair. Colatina é a minha terra, é a minha vida. Lugar igual ao que a gente nasceu não tem. Este é o meu canto, minha vida, minha história, meu berço”, conclui.
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