Redação Colatina em Ação – 10/07/2019
Navegar pela história do Rio Doce, em toda a sua extensão, é penetrar numa diversidade de mundos que transita das comunidades indígenas às bandeiras em busca do ouro e pedras preciosas, que inclui até impedimento de navegações, para não permitir, principalmente, o contrabando das minas gerais para o Espírito Santo a caminho do mar e da Europa.
Chamado de Watu (Rio Grande) pelos índios e inicialmente de Santa Luzia, pelos portugueses, conforme registrado, ganhou o nome de rio Doce porque na foz, em Regência (Linhares), as águas em turbilhão avançavam em corrente quase 10 quilômetros (seis milhas) mar a dentro.
Na época das capitanias hereditárias, o rio era considerado divisor da capitania do Espírito Santo com a de Porto Seguro. Em 1572, Sebastião Fernandes Tourinho, da capitania de Porto Seguro, reuniu um grupo de 400 homens, que teriam feito a primeira “entrada” pelo rio Doce, percorrendo num total dois mil quilômetros. Trouxe consigo a lenda da serra de cristal fino, onde haveria esmeraldas e pedras azuis.
Essas informações de Tourinho levaram, em 1574, ao governador-geral do Brasil, Luís de Brito e Almeida, a enviar uma expedição, comandada por Diogo Alvares, para subir o rio Mucuri (ou Cricaré), acompanhado de 150 portugueses e 400 índios mansos. Encontraram algumas pedras, consideradas praticamente sem valor, mas o problema foi o enfrentamento com os índios, as doenças e o cansaço. O fraco resultado fez com que por 20 anos nenhuma nova expedição se arriscasse.
Em 1611, porém, o aventureiro Marcos de Azeredo Coutinho, junto com um índio, subiu o rio Doce, voltando com esmeraldas verdadeiras e amostras de minerais de prata.
O governo tentou negociar a localização, mas ele não aceitou, foi preso e morreu na cadeia. Nos anos seguintes muitas foram as tentativas, mas do início das empreitadas à descoberta foram ainda dois séculos, quando o paulista Antônio Rodrigues Arzão encontrou as primeiras pepitas de ouro, num córrego chamado rio Casca.
E o interessante é que ele não procurava ouro, mas índios para aprisionar. Ele morreu logo depois, mas deixou para o cunhado Bartolomeu Bueno de Siqueira a rota.
O rio Doce, a partir daí, como diz o livro “O Vale do Rio Doce”, tornava-se vedete da história. Era o início do ciclo do ouro, que incluiu em 1721 o surgimento da capitania das Minas Gerais. Com o início do ciclo do ouro, portugueses começaram a vir ao Brasil aos montes, apesar de leis proibindo o embarque.
O medo era de contrabando e evasão. A Coroa queria o controle total sobre as minas. Nos anos seguintes, os capixabas foram proibidos de subir o rio e os mineiros de descer. Em seguida, a região foi considerada área proibida, que serviria como barreira protetora.
Por garantia, em alguns pontos foram construídos quartéis ou fortes, como o da foz, chamado de Regência Augusta, e o de Coutins, que depois viria a ser Linhares.
Pela proibição, a região tornou-se lugar de refúgio de tribos indígenas, principalmente Botocudos. Registra-se que as regiões do médio e baixo rio Doce pagaram um preço alto por isso. Foram 150 anos de abandono.
O fim do ciclo do ouro foi fatal para os índios, pois, por ordem da Coroa, e interesse dos fazendeiros, com quem travavam lutas permanentes, eles foram combatidos e praticamente eliminados.
Para se perceber como todos esses acontecimentos retardaram a fixação na região, a cidade de Linhares, o primeiro município da calha do rio, só ganhou esta condição em 1833.
O rio também chegou a ser até navegado, em vários trechos, com rotas de vapores, que só deixaram de funcionar por causa da ampliação do assoreamento no século passado.
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📸 Viagem por um braço do rio Doce no século XIX, de Maximilian Von Wied.
Texto baseado no livro Vale do rio Doce, de Henrique Lobo e em reportagem especial de A Tribuna.